Novas Tecnologias de Informação
e Comunicação e o Teletrabalho:
Um Caso de Enclausuramento
Sócio-Espacial?

Alvaro Henrique de Souza Ferreira

Departamento de Geografia
Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos



A organização em torno de um paradigma cient'fico que colocava a sociedade capitalista, que se constitui como poder hegemônico mundial desde os descobrimentos até a Revolução Industrial e a consolidação do imperialismo no fim do século XIX, como expressão de um processo civilizatório destinado a reger toda a vida humana do planeta foi responsável por diversos estudos e pesquisas.

As duas guerras mundiais que se ergueram no século XX, puseram em questão grande parte da auto-confiança deste paradigma centrado inicialmente na Europa. A libertação das colônias, a revolução socialista na Rússia e sua expansão na China e outras regiões do mundo abalaram a fé na civilização ocidental. Um amplo movimento de constatação dos limites da modernidade desenvolveu-se no próprio centro do sistema mundial, no qual a ameaça de destruição da humanidade pelo holocausto nuclear, a destruição do meio ambiente e a expansão da miséria nos pa'ses periféricos colocaram seriamente em dúvida a superioridade desse modelo de civilização (Hobsbawm, 1995, p. 538). 

A falência do modelo socialista soviético, no fim deste século, promoveu um estremecimento na credibilidade de um modelo alternativo, que havia sido privilegiado pela Guerra Fria com a instalação do "mundo bi-polar" (Hobsbawm, 1995, 539).

Atualmente, nesses tempos de "modernidade radicalizada" — como diria Giddens (1991, p. 13) — enquanto alguns apontam para a pós-modernidade, é que se adquire a compreensão de que a modernidade se caracteriza pela capacidade projetiva, pelo projeto. Vive-se, hoje, a capacidade de pensar a nós mesmos no mundo e pensar o mundo, capacidade esta que é muito maior do que nos séculos anteriores.

Vivemos hoje uma "modernidade radicalizada" na qual nenhuma relação social está isenta de uma reflexão aguda sobre ela, onde tudo se desestabiliza porque tudo é objeto de reflexão e de um poss'vel projeto.  Segundo Ribeiro, 1997, isto parece complicar ainda mais este momento, pois sendo a ciência impactada pelo que acontece,

"não se pode criar um modelo com tranqüilidade, porque os sujeitos sociais estão em cena, não se pode abstrair completamente a sua leitura da existência deles, de alguma maneira há uma alteração de perspectivas anal'ticas. O que  chamamos de crise paradigmática não necessariamente é algo que nos impede de produzir conhecimento, significando, na verdade, o reconhecimento das incertezas."

A crise das certezas é a crise das certezas institu'das. São essas certezas hoje refletidas que de alguma maneira geram a denominada crise paradigmática. Esse movimento não necessariamente anuncia a crise teórica, muito pelo contrário, é através da teoria que se pode localizar a crise paradigmática.

Nesse momento, pautado por grandes transformações, é imposs'vel pensar a questão sócio-espacial e urbana, na contemporaneidade, sem pensar no advento das novas tecnologias de comunicação e informação e na grande revolução por elas promovidas. O espaço também mostra-se afetado, pois tem os seus princ'pios rompidos pela instalação de novas formas de organização da ordem social. Essas novas tecnologias de comunicação e informação permitem uma aceleração da produção, objetivo este alcançado, fruto de mudanças organizacionais e que produzem um curso cada vez mais indireto da produção.

É dentro desse contexto que se percebe uma nova forma de trabalho em que o indiv'duo, graças à utilização interativa de equipamentos e da rede de telecomunicações — um computador pessoal, uma linha telefônica e um fax-modem — pode realizar suas atividades profissionais à distância ou na própria residência. Esses indiv'duos — os teletrabalhadores — podem fazer parte do quadro de  trabalhadores efetivos da empresa ou constitu'rem-se como freelancers, que trabalham sob a forma de um contrato por tempo determinado ou por tarefas.

É sobre esse grupo de trabalhadores e as relações — ou a falta de relações — por ele constitu'das que tratará este artigo. Curiosamente, o processo que desloca o trabalhador, retirando-o do local de trabalho, e novamente alocando-o em sua residência, caracteriza o retorno, guardadas as devidas especificidades, a um momento em que o artesão dividia em sua casa o lugar de viver e o lugar de trabalhar.

A escolha por esta temática teve que ser bastante pensada, posto que não há dados quantitativos no Brasil quanto a esse determinado tipo de trabalhador, o que, de certa forma, dificulta a comprovação da importância de tal estudo. Os primeiros passos foram dados apenas pela intuição e pelas conversas informais com um grupo de amigos em comum que conheciam alguns profissionais que desenvolviam suas tarefas como teletrabalhadores. Curiosamente, foi através do filme "Denise está chamando[3]" que alguns questionamentos foram surgindo e se mostrando, ao menos, provocativos. O que, de alguma forma, contribuiu para a árdua empreitada no sentido de levar adiante tal proposta de estudo.

No decorrer do trabalho, algumas questões que, em princ'pio, pareciam centrais perderam importância e, em contrapartida, outras ganharam corpo. Após estas observações, resta indicar os questionamentos que permearam este trabalho: o que leva o empresariado a optar por esse tipo espec'fico de trabalho?; existem vantagens para os trabalhadores?; o isolamento do teletrabalhador em sua residência pode afetar o seu desenvolvimento profissional?; de que forma a fam'lia do trabalhador pode ser afetada?; de que forma a fam'lia pode afetar o rendimento do teletrabalhador?; é positivo fazer da residência — locus do fim de uma jornada de trabalho, do descanso — o lugar de trabalhar?; será que o enclausuramento do indiv'duo em sua residência não estaria contribuindo para o encobrimento da percepção do mundo real, com sua miséria, moradores de rua, e todas as formas de desigualdades?; de que forma o teletrabalhador encara esse movimento de desterritorialização e reterritorialização?  É, basicamente, através destas questões que se move este trabalho.

O trabalho realizado em casa, limitando o contato com os outros trabalhadores e com o espaço vivido (Soja, 1996, p. 38), acarreta mudanças de comportamento. Percebe-se que o modo de comportamento é constru'do e não corresponde a uma disposição natural. Independente do seu grau de consciência, como sujeito do comportamento moral e como ser social, o indiv'duo é parte da estrutura social, estando inserido em uma rede de relações na qual vigora uma moral efetiva. Quando o trabalhador troca a empresa pela residência, ocorre uma desterritorialização; percebe-se a perda dos v'nculos com o lugar e com as relações efetivamente nele realizadas. A desterritorialização rompe com toda uma formação de sistemas simbólicos de significados, de valores, que foram institu'dos através de práticas sócio-culturais que, por sua vez, foram responsáveis pela construção social do lugar.

É poss'vel que essa hipótese inicial não seja efetivamente comprovada. Contudo, o caminho trilhado busca levantar questões quanto às mudanças proporcionadas pelas novas tecnologias de informação — mais diretamente ao que se refere às relações de trabalho — no sentido de influir na geração de um enclausuramento sócio-espacial.

Para uma abordagem mais clara do tema, percebeu-se a necessidade de discorrer, inicialmente, sobre as transformações dos processos de organização do trabalho e da produção propriamente dita.

É durante o fordismo que se observa a fixação de um salário-m'nimo pelo Estado e o desenvolvimento do sistema de previdência social. Os sindicatos são reconhecidos e os trabalhadores, através dos acordos coletivos, inibem a concorrência por salários baixos. O trabalho monótono e repetitivo das linhas de montagem é compensado pela adoção, através dos sindicatos, de uma estratégia de barganhar, com o capital, a troca de ganhos reais de salário pela colaboração no disciplinamento dos trabalhadores.

O fordismo, até o fim da década de 60, teve um per'odo de longa prosperidade. Contudo, a forte tendência ascendente dos salários acaba por superar a evolução da produtividade, "reduzindo a taxa de lucro e as possibilidades de acumulação a médio prazo" (Tavares, 1994, p. 6).

Frente à crise instaurada, o capitalismo busca, através das inovações tecnológicas e da modernização dos sistemas organizacionais de administração da produção, reduzir a rigidez caracter'stica do fordismo utilizando-se da "flexibilidade no que respeita a processos de produção, desenhos de produtos e ocupação da força de trabalho" (Tavares, 1994, p. 6).

Essa flexibilidade promove a transferência de uma série de atividades para firmas subcontratadas — terceirização — ou para profissionais autônomos — freelancers. Nesse sentido, percebe-se uma segmentação da força de trabalho — trabalhadores permanentes, trabalhadores temporários, trabalhadores em tempo parcial, trabalhadores subcontratados, trabalhadores a domic'lio — que tem por objetivo, além da busca de maior rentabilidade, a desmobilização desses trabalhadores. É a partir desse contexto que surgem os teletrabalhadores.

O enclausuramento pela união e interseção de três abordagens

Em princ'pio, pretende-se aprofundar a discussão no que se refere ao enclausuramento sócio-espacial proporcionado pelo exerc'cio do teletrabalho. Questionam-se os aspectos positivos e negativos desse novo tipo de organização do trabalho. Para melhor compreender a complexidade da relação entre teletrabalho, espaço e indiv'duo procurou-se apontar três diferentes abordagens:

  1. o capitalismo como engendrador do modo de vida do indiv'duo;  gerador da subsunção dos trabalhadores.
  2. o trabalho como lugar e atividade institu'dos.
  3. pensar o espaço e sua territorialidade implica perceber o ser humano mediante os processos de valorização do lugar como reflexo da realidade vivida.

Cada uma dessas abordagens resgata, de certa forma, discussões que desde há muito preocupam as ciências sociais.

O trabalho não se reduz à relação entre o indiv'duo e os equipamentos; é também um desenvolver-se no interior de um grupo social. A individualização própria do teletrabalho limita esse desenvolvimento, na medida em que o indiv'duo, longe da empresa, deixa de vivenciar experiências com os demais funcionários.

Curiosamente, o capitalismo que separou o lugar de viver do lugar de trabalhar — a residência e a empresa — promove o retorno da unificação do lugar da produção e do lugar da reprodução.

O teletrabalho, assim, é mais do que o resultado de uma inovação técnica ou do que uma mudança nos procedimentos e nos hábitos do trabalhador. Visto de maneira mais detida, ele transforma as relações entre os indiv'duos e a organização social. Grande parte das novas relações constru'das contribui de forma efetiva para o incentivo ao enclausuramento do indiv'duo em sua residência, limitando, também, o seu deslocamento no espaço.

A m'dia exerce um papel fundamental no que se refere ao incentivo da implementação do teletrabalho — geralmente utiliza a expressão "trabalho em casa". Freqüentemente são veiculadas matérias elogiosas nos meios de comunicação. A publicidade e as imagens da m'dia passaram a ter um papel muito mais integrador nas práticas culturais, tendo assumido grande importância na dinâmica de crescimento do capitalismo. A publicidade já não parte da idéia de informar ou promover no sentido comum, voltando-se cada vez mais para a manipulação dos desejos e gostos do indiv'duo.

As transformações decorrentes da utilização do teletrabalho promovem uma verdadeira revolução nas relações entre as pessoas. Segundo Sennett (1999, p. 10), a falta de uma ligação mais ativa e afetiva com o lugar de trabalho — na empresa — com a ênfase nos trabalhos a curto prazo, não permite que as pessoas desenvolvam experiências ou construam uma narrativa coerente para suas vidas. E, principalmente,

"esta nova forma de trabalho impede a formação do caráter. O desenvolvimento do caráter depende de virtudes estáveis como lealdade, confiança, comprometimento e ajuda mútua. Caracter'sticas que estão desaparecendo no novo capitalismo.(...) Essas mudanças corroeram a idéia de integridade e a confiança nos outros."

O tempo acelerado, segundo Santos (1996, p. 196), ao acentuar a diferenciação dos eventos, acaba por aumentar a diferenciação dos lugares. Está-se observando de forma radicalizada, na contemporaneidade, processos cada vez mais fortes de territorialização, desterritorialização e reterritorialização. Isso ocorre de diversas maneiras e se pode começar abordando a não-necessidade de firmar a territorialidade através da ocupação do espaço de forma materialmente constru'da. Convém salientar que a desterritorialização não se dá de forma una, de uma maneira padronizada. Por isso Deleuze & Guattari (1996) enfatizam a importância de não confundir a reterritorialização com o retorno a uma territorialidade primitiva ou anterior.

Dá-se a territorialização, através de um processo de criação de códigos e s'mbolos que caracterizam e particularizam um lugar para um indiv'duo ou grupo. Este lugar está intimamente ligado às relações travadas entre as pessoas no decorrer do tempo; o lugar está impregnado de objetos comuns. Tuan (1983, p. 159) enfatiza esta afirmação quando acrescenta, no que se refere aos objetos do lugar, que "os conhecemos através do uso; não lhes prestamos atenção (...). Eles são quase uma parte de nós mesmos, estão muito próximos para serem vistos." Tuan vem ao encontro de Harvey (1980, p. 26) que constata a necessidade de considerar o significado simbólico e a complexidade do impacto do lugar sobre o comportamento dos indiv'duos. É a partir disto que Tuan (1980, p. 15) afirma serem as realizações dos indiv'duos, vistas como casulos que eles próprios teceram para, assim, se sentirem confortáveis.

O lugar é visto dentro da concepção da porção do espaço apropriada para o exerc'cio da vida vivida, através não tão somente do lugar f'sico propriamente, mas também através dos sentidos, da percepção, de um elo afetivo. Carlos (1996, p. 26) indica este mesmo caminho ao afirmar que "o lugar é o mundo do vivido, é onde se formulam os problemas da produção no sentido amplo, isto é, o modo como é produzida a existência social dos seres humanos."

A territorialização — por ter forte relação com o lugar, no sentido do espaço vivido —  dá-se sem a necessidade de firmar-se através da ocupação do espaço de forma materialmente constru'da. Pode-se exemplificar com o espaço da prostituição, onde não é necessário a construção de um prost'bulo, mas basta que se perceba a ocupação de um espaço da cidade com a sua prática, admitindo inclusive que outras práticas ocupem aquele mesmo espaço[4]. Constitui-se uma sociabilidade que se territorializa, mas ela não faz reserva de território — com fronteiras concretamente definidas — porque isso seria o mosaico.

Segundo Maffesoli (1998, p. 193), as tribos[5] são nômades — e de uma maneira paradoxal são simultaneamente arcaicas, no que se refere ao "localismo, a proxenia, a religiosidade, e modernas, quando se pensa nas relações propiciadas pela multim'dia e  pelas teleconferências" — elas caminham pela cidade. Pensar em um bairro italiano ou um bairro chinês são coisas diferentes, pois estariam relacionados aos fixos. Existem estudos sociológicos e antropológicos mostrando a constituição das tribos nas praias, o seu território; isso não significa que a praia esteja sendo loteada. Há uma plasticidade muito maior, onde o que está sendo constitu'do é o território da sociabilidade, com suas práticas de apropriação de recursos, que são transitórios. É muito importante trabalhar com esses fenômenos porque são fenômenos da nossa modernidade radicalizada, dos fluxos e não dos fixos. Anteriormente eram os fixos, e os mosaicos correspondem à temporalidade dos fixos. O caleidoscópio contemporâneo da constituição das tribos, é expressivo do momento dos fluxos. Santos (1994, p. 165) identifica os fixos como casas, portos, armazéns, fábricas, que emitem fluxos ou recebem fluxos — que são movimentos entre fixos. O autor acrescenta, ainda, que "as relações sociais comandam os fluxos que precisam dos fixos para se realizar. Os fixos são modificados pelos fluxos, mas os fluxos também se modificam ao encontro dos fixos".  Deve-se ter em conta que os fluxos têm velocidades diferentes. Santos (1994, p. 166) esclarece afirmando que "as coisas que fluem e que são materiais — produtos, mercadorias, mensagens materializadas — e não materiais — idéias, ordens, mensagens não materializadas — não têm a mesma velocidade."

O teletrabalho se dá, desta forma, no momento dos fluxos, e esta "nova tribo" sofre uma desterritorialização profunda de seus valores institu'dos. Convém, contudo, reafirmar que mesmo este momento dos fluxos, que agora é dominante, não prescinde dos fixos. Santos (1996, p. 221) reafirma a importância dos fixos, " que constituem as bases técnicas - mesmo quando esses fixos são pontos. (...) Fixos e fluxos são intercorrentes, interdependentes." 

A territorialidade deve ser entendida, também, como referente ao zoneamento do tempo-espaço em relação às práticas sociais rotinizadas. As tribos têm seus territórios, têm os seus rituais, têm a sua aparência, têm seus códigos. É importante observar isto, porque são agrupamentos de valor calcados na sociabilidade, muitas vezes distantes dos processos de socialização, que emergem na massa e que constituem a massa. Maffesoli (1998) enfatiza essa importância, porque se pensa na sociedade de massas como homogeneizadora, mas ela não é apenas homogeneizadora, ela é também diferenciadora. E a massa é conformada por um grande número de tribos, sendo isto que a segmentação contemporânea trabalha. A fragmentação não é só resultante da desinstitucionalização de determinadas órbitas da vida social — as  pol'ticas sociais, as práticas educacionais, as práticas familiares. Ao mesmo tempo, a fragmentação é a forma de existência da sociedade de massas, na qual tem-se um enorme número de reagrupamentos — consumidores de determinados produtos, pessoas que se filiam para defender alguma coisa. Há uma enorme quantidade de formas de reagrupamento por identidades de valor, constituindo uma das formas de manifestação da massa ou um dos seus segmentos organizacionais.

Maffesoli (1998, p. 193) chama a atenção para o discurso genérico da globalização, que se faz acompanhar da noção de desterritorialização, de desenraizamento. Ao mesmo tempo em que se tem desterritorialização e desenraizamento, no sentido antropológico, ou seja, no sentido da perda das ra'zes culturais, tem-se a reterritorialização.

Quando da desterritorialização, percebe-se a perda dos v'nculos com o lugar e com as relações efetivamente nele realizadas. Esta afirmação é enfatizada por Santos (1996, p. 262), quando argumenta que

"hoje, a mobilidade se tornou praticamente uma regra. O movimento se sobrepõe ao repouso. Os homens mudam de lugar(...)mas também os produtos, as mercadorias, as imagens, as idéias. Tudo voa. Da' a idéia de desterritorialização. Desterritorialização é, freqüentemente, uma outra palavra para significar estranhamento, que é, também, desculturização."

A desterritorialização rompe com toda uma formação de sistemas simbólicos de significados, de valores, que foram institu'dos através de práticas sócio-culturais que, por sua vez, foram responsáveis pela construção social do lugar.

A reterritorialização, quando se faz, guarda novos traços e trajetórias, as quais em muito divergem da territorialidade estabelecida anteriormente. A reterritorialização não exprime uma transferência de lugar apenas, representa uma nova rede de relações e processos que desencadeiam uma nova codificação. Estes novos processos e relações não operam no, mas constróem ativamente o espaço e o tempo, e nisso, definem escalas distintas para o seu desenvolvimento.

O trabalho em casa, com a utilização dos meios técnico-informacionais, não significa o retorno a um tempo em que toda a fam'lia exercia suas atividades de auto-sustento em sua residência. Gurstein (1991,  p. 170) vem ao encontro desta afirmação ao enfatizar que o teletrabalhador, ao contrário daquela imagem id'lica, tem muito pouco tempo livre. Raramente as mulheres teletrabalhadoras, acrescenta  Gottlieb (1988, p. 38), conseguem dispor de alguma fração de tempo que lhes sobre. Esta posição é enfatizada quando Ribeiro (1981, p. 11) acrescenta que

"a mulher é parte da fam'lia proletária. Fam'lia que tem o encargo de reproduzir-se biológica e socialmente, e onde a mulher desempenha o papel principal na preservação e renovação da força de trabalho, através de uma gama variad'ssima de formas de participação: na maternidade, na criação dos filhos, na administração das despesas domésticas, na responsabilidade pela realização dos serviços domésticos, no trabalho remunerado fora ou dentro de casa."

Esses autores posicionam-se de forma semelhante ao afirmar que ao se transformar a residência em lugar de trabalho, além do transtorno ao espaço f'sico da casa, o indiv'duo tem uma enorme dificuldade de fazer com que os amigos e a própria fam'lia compreenda que ele está em casa trabalhando e que, portanto, não deve ser incomodado.  

Ainda mais grave, convêm observar que quando enclausurado, o Homem deixa de perceber as modificações que se fazem presentes no espaço e, sendo este o locus das mudanças e atividades sociais, refletindo como um espelho a sociedade, esse indiv'duo corre o risco de desligar-se da realidade vivida, pois, como afirma Santos (1978, p. 138), "o espaço por ser um testemunho, (...) testemunha um momento de um modo de produção pela memória do espaço constru'do, das coisas fixadas na paisagem criada."

Assim, o lugar antes percorrido pode, posteriormente, perder seu sentido, pois o indiv'duo deixa de acompanhar as modificações ocorridas e o que antes era familiar torna-se estranho. Isto é ainda mais grave quando se percebe que é no lugar que se realiza a vida em todas as suas dimensões.

Com o intuito de percorrer o terreno dos teletrabalhadores buscou-se entrevistas com estes profissionais, as quais foram realizadas na forma de pesquisa qualitativa e realizadas no per'odo de setembro de 1998 a fevereiro de 1999. Em sendo qualitativa, não houve preocupação quanto à representatividade numérica do grupo pesquisado, mas, sim, quanto ao aprofundamento da compreensão desse grupo social organizado de forma peculiar, que utiliza sua residência como o lugar do trabalho. Nesse sentido, foram entrevistados 15 teletrabalhadores, residentes na cidade do Rio de Janeiro. Foram realizadas, também, entrevistas com os empregadores — os responsáveis pela implementação do teletrabalho.

Durante a análise das entrevistas procurou-se realizar o confronto com estudos teóricos que envolvem as inquietações em questão. É através das respostas fornecidas pelos teletrabalhadores  que se percebe, com algumas exceções, um momento de "encantamento" em relação à oportunidade do exerc'cio das tarefas no próprio domic'lio. Os depoimentos deixam transparecer uma espécie de acomodação, que faz com que os trabalhadores sigam caminhando no sentido indicado pelo capital. Alguns teletrabalhadores mostram-se bem confusos, outros mais esclarecidos. Contudo, todos permanecem dependentes do caminho traçado pelo capital, seja ele qual for.

Não se tem por objetivo, forma alguma, fechar a discussão. O caminho está apenas no in'cio e muito deverá ser percorrido. Os resultados dessa transformação nas relações de trabalho e suas implicações com o espaço — com o lugar, utilizado como sinônimo de território através da função de "elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente f'sico" (Tuan, 1980, p. 5) — somente poderá ser melhor avaliada, quando os teletrabalhadores passarem deste inicial "encantamento" para um momento de reflexão mais pormenorizada.

Acreditando que a manutenção dos valores comuns depende das relações interpessoais que ocorrem nos lugares; e apropriando-se de Harvey (1996, p.33) ao  reafirmar que a ação pol'tica da classe trabalhadora deve acontecer primeiramente no lugar, mostra-se preocupante a percepção de que com a implementação do teletrabalho, os trabalhadores encontram-se em diferentes lugares e com elos sociais mais fragilizados que antes. A partir de então mostrou-se necessário um breve debate sobre a questão das escalas geográficas.

A questão das escalas geográficas

Convém afirmar, desde já, que qualquer fenômeno observado, dependendo da escala de análise, ganha um sentido totalmente particular.

Castro (1995, p. 130) acredita que tanto a relação como a inseparabilidade entre tamanho e fenômeno estejam inclu'dos na noção de escala e que

"os experimentos cient'ficos, obrigados a lidar com objetos, fenômenos e efeitos em escalas cada vez mais micro e cada vez mais macro, conduzem a reflexões sobre as possibilidades e limites de leis que regem fenômenos observados numa mesma escala para fenômenos em outra escala. Esta constatação aponta para uma conseqüência mais ampla, que é a dificuldade hoje de se aceitar uma lei geral e imutável explicativa do universo."

Não há dúvida que a questão da escala incide não apenas no fator dimensão, incide também no fenômeno propriamente dito. O que talvez seja ainda mais importante é que a escala de observação permitiria a focalização e, posteriormente, a criação do fenômeno. Dependendo da escala utilizada, é poss'vel perceber fenômenos que seriam invis'veis — portanto inexistentes — em outras escalas. A questão da escala carrega consigo uma grande complexidade no sentido da realização de um recorte espacial que permite, a partir da totalidade do espaço, a escolha de um determinado fenômeno que pode ser percebido dentro de uma determinada escala. Castro (1995, p.138) enfatiza esta perspectiva ao afirmar que

"a flexibilidade espacial institui, portanto, uma dupla questão: a da pertinência das relações como sendo também definida pela pertinência da medida na sua relação com o seu espaço de referência. Este é um problema fundamental na busca de compreensão da articulação de fenômenos em diferentes escalas; além disso, como os fatos sociais são necessariamente relacionais, a questão acima é pertinente."

Santos (1996, p. 121) percebe a noção de escala segundo duas acepções: a escala da origem das variáveis envolvidas na produção do evento e a escala do seu impacto — de sua realização — ou seja, a escala do fenômeno. O autor acrescenta, ainda, que

"a palavra 'escala' deveria ser reservada a essa área de ocorrência e é nesse sentido que se pode dizer que a escala é um dado temporal e não propriamente espacial; ou ainda melhor, que a escala varia com o tempo, já que a área de ocorrência é dada pela extensão dos eventos."

A partir de então, poder-se-ia afirmar que o fenômeno observado se manifesta em um determinado lugar em um determinado tempo, concomitantemente — como um ponto no espaço-tempo. Então se percebe que a análise de determinada conjuntura ou a definição de propostas e projetos serão sempre referentes a determinada escala de análise. Esta afirmação será fundamental para, a posteriori, localizar o teletrabalho dentro do contexto da acumulação flex'vel, que vem rompendo com os preceitos até então colocados pelo fordismo.

As novas formas de trabalho carregam consigo uma complexidade intensa e devem ser pensadas dentro do contexto das diferentes escalas de análise. Morin (1998, p. 179) reafirma tal importância ao salientar que a idéia de localidade está

"necessariamente introduzida na f'sica einsteiniana pelo fato de que as medidas só podem ser feitas num certo lugar e são relativas à própria situação em que são feitas. (...) Portanto não podemos trocar o singular e o local pelo universal: ao contrário, devemos uni-los."

O autor, nesse sentido, afirma que não só a parte está no todo, mas também o todo está na parte. Significa reconhecer que a complexidade da análise induz não a um reducionismo, que almeja compreender o todo a partir das partes; ou a um mero holismo que negligencia as partes para a compreensão do todo. Por isso, Morin (1998, p. 182) acredita ser necessário a substituição de um tipo de explicação linear por um tipo de explicação em movimento — circular — em que se caminha das partes para o todo, do todo para as partes, para assim buscar a compreensão do fenômeno.

Morin estaria caminhando no sentido de introduzir dentro da problemática dessa complexidade a "dialógica", que refletiria mais de uma lógica — pr'nc'pios que estariam unidos sem que uma dualidade se perdesse na unidade. Maffesoli (1998, p. 21) segue os mesmos passos ao decretar a sa'da da "lógica binária de separação" que prevaleceu em todos os dom'nios e que não pode mais ser aplicada de maneira estrita:

"alma e corpo, esp'rito e matéria, o imaginário e a economia, a ideologia e a produção — a lista poderia ser muito longa — não se opõem de maneira radical. Na verdade, essas entidades, e as minúsculas situações concretas que elas representam; se conjugam para produzir uma vida quotidiana que, cada vez mais, escapa a taxinomia simplificadora à qual hav'amos sido habituados por um certo positivismo reducionista. Sua sinergia produz esta sociedade complexa que, por sua vez, merece uma análise complexa."

Harvey (1996, p. 25) exercita reflexão semelhante calcada na dialética e acredita, também, que as escalas de análise têm papel determinante no resultado conseguido. Contudo, a busca de uma resposta a partir desse tipo de proposta mostra-se, também, carregada de grande complexidade.

A manutenção de valores comuns e das práticas culturais que se perpetuam no cotidiano dependem das relações interpessoais que ocorrem nos lugares e demandam decisões que em muito diferem de decisões de caráter em uma escala mais macro. É por esse aspecto que a ação pol'tica da classe trabalhadora deve acontecer, primeiramente, no lugar. Nesse momento mostra-se clara a relação da "dialógica" de Morin (1998, p. 182) com a proposta de Harvey (1996, p. 32), que acredita ser extremamente relevante o contexto de lugar e a ação, os quais não poderiam ser avaliados a não ser a partir de um caminho dialético particular de análise do lugar a partir do espaço e de volta ao lugar de novo — o movimento circular de análise a que Morin se referira. Santos (1996, p. 272) vem confirmar esta afirmação ao enunciar que

"a ordem global busca impor, a todos os lugares, uma única racionalidade. E os lugares respondem ao mundo segundo os diversos modos de sua própria racionalidade. (...) Cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global  e de uma razão local, convivendo dialeticamente."

Mesmo a partir disso, sempre se perceberá uma forte tensão entre a resistência e a complexidade dos processos sociais em questão. Talvez seja por isso que Harvey (1996, p. 38) acredita que as tensões nunca são resolvidas e não se deve esperar que sejam, pois deixando uma lacuna aberta, se permite o pensamento criativo para as mudanças sociais.

Segundo Harvey (1996, p. 33), os diversos obstáculos colocados podem, mais facilmente, ser entendidos através de abstrações capazes de confrontar processos não acess'veis diretamente a partir das experiências locais[6]. Contudo, esse movimento de sa'da da organização social de um determinado grupo, ligado à noção de lugar, em busca de um n'vel de concepção mais abstrata, capaz de se estender através do espaço, também levaria à perda de contextos espec'ficos que seriam importantes na análise do fenômeno em questão. A partir de então, melhor seria afirmar que não se poderia pensar em uma análise mais coerente sem levar em conta o lugar e o espaço, o local e o global, concomitantemente.

Há de se questionar, então, se a cr'tica ao teletrabalho calcada em valores forjados pelo capitalismo e enrijecidos no per'odo fordista não estaria equivocada. Ao que parece, a defesa de um per'odo cujo modo de produção permitia a implementação de condições de trabalho deteriorantes não seria a melhor das hipóteses. Contudo, na prática, a libertação da rotina fordista e a busca da flexibilidade estão produzindo novas estruturas de poder e controle.

Os anteriores locais e horários fixos de trabalho tomam agora uma forma caleidoscópica, em que os horários e os locais de trabalho são diferentes para cada trabalhador. Se, a princ'pio, essa organização parece distante daquela do modelo fordista — com sua rotina padronizada — também apresenta seus mecanismos de controle e exploração.

Em se tratando do teletrabalho, principalmente no que toca os freelancers,  percebe-se uma incerteza quanto à sua permanência ao final das tarefas para as quais foram contratados. Os teletrabalhadores vivem uma eterna incerteza quanto ao que podem esperar do futuro próximo. E, ainda assim, a propagada liberdade é controlada pelo cumprimento de tarefas preestabelecidas. Sennett (1999, p. 68) enfatiza a mudança na forma de controle do tempo que

"passou do relógio de ponto para a tela do computador. O trabalho é fisicamente descentralizado, o poder sobre o trabalhador ainda existe. Trabalhar em casa é a ilha última do novo regime.(...) Na revolta contra a rotina, a aparência de nova liberdade é enganosa. O tempo nas instituições e para os indiv'duos não foi libertado da jaula de ferro do passado, mas sujeito a novos controles do alto para baixo."

Deve-se também perceber que o teletrabalhador contratado tem sempre a sensação de estar começando de novo; fatores importantes, até então, como segurança do emprego, compromisso com a empresa, consciência do trabalho a ser executado no decorrer do tempo, acabaram sendo retirados do trabalhador. A apreensão gerada por essas transformações, segundo Sennett (1999, p. 115), acaba gerando uma ansiedade sobre o que pode acontecer. A apreensão é criada num clima que enfatiza o "risco constante e aumenta quando as experiências passadas parecem não servir de guia para o presente".  

Nesse emaranhado de transformações resplandece a indiferença do capitalismo. Anteriormente essa indiferença era claramente percebida nas relações de classe. Contudo, nesse momento da flexibilidade, mostra-se de forma mais sutil. Sennett (1999, p. 176) enfatiza indubitavelmente a facilidade com que

"os governantes do reino flex'vel (...) habitam confortavelmente a desordem econômica, mas temem o confronto organizado. Temem, claro, o ressurgimento dos sindicatos, mas ficam aguda e pessoalmente desconfortáveis, mexendo-se ou evitando olhar nos olhos, ou retirando-se para trás de anotações, se obrigados a discutir as pessoas que, em seu jargão, foram 'deixadas para trás'."

De certa forma, a partir disso, não haveria dúvida de que a ação pol'tica da classe trabalhadora devesse acontecer primeiramente no lugar. Todavia, todas as formas de engajamento têm seu fundamento em algum tipo de "particularismo militante"[7] (Harvey, 1996, p. 32), os quais, na maior parte das vezes, não refletem a percepção de um contexto maior, mais global.

Harvey (1996, p.40) acredita que os movimentos a partir de "particularismos militantes" acabam sendo profundamente conservadores, porque se baseiam na perpetuação de modelos de relações sociais e de solidariedade galgados em um tipo de ordem industrial opressor. Acrescenta ainda que dificilmente as identidades pol'ticas e sociais forjadas sobre essa ordem opressora conseguiriam sobreviver caso se observasse um colapso ou a transformação radical dessa ordem e que, então, sua existência dependeria exclusivamente da perpetuação das condições de opressão.

Não resta dúvida que essa contundente afirmação é extremamente polêmica, visto que, a princ'pio, pode mesmo parecer contraditória. No entanto, Harvey estaria se baseando na questão das escalas geográficas ao fazer tal afirmação; a questão local estaria sendo vista dentro de um enfoque global. Ademais, Harvey (1996, p. 44) acredita que a teoria não deve ser apenas uma forma de exerc'cio de pura abstração, mas que, ao contrário, a prática teórica deve ser constru'da como uma cont'nua dialética entre o "particularismo militante das vidas vividas" e uma luta no intuito de realizar uma cr'tica suficientemente distante e imparcial afim de formular uma discussão de ambição global.

Ao que se percebe, uma grande transformação se fez sentir no mundo do trabalho. A flexibilidade da produção e do trabalho, juntamente com a revolução do meio técnico-informacional, pôs por terra posições e conquistas até então inquestionáveis.

De uma época em que grande parte dos Estados do mundo ocidental — para atender às fortes pressões dos trabalhadores fortemente organizados e, também, no intuito de se posicionar frente ao mundo socialista — investe fortemente em pol'ticas de educação, saúde e habitação e na criação de seguros contra desemprego e para a aposentadoria — via Estado do bem-estar social — passa-se para um momento de degradação das conquistas sociais e trabalhistas por força de um forte desemprego estrutural e de reformas legais que enfraquecem de forma crescente os sindicatos e acabam por desmobilizar os trabalhadores; os teletrabalhadores se encontram emaranhados nessa trama. 

As transformações na natureza do trabalho refletiram-se no espaço. O teletrabalhador livrou-se do relógio de ponto, mas passa a conviver, cada vez mais,  com metas de produção e vive em um ambiente extremamente competitivo, cujo ritmo de trabalho é cada vez mais intenso.

À anterior forma de pressionar os trabalhadores e os salários — a formação de um exército de reserva — soma-se o emprego de novas tecnologias e de novas formas de organização do trabalho, acarretando a criação de um esp'rito de competição entre os trabalhadores, contribuindo para a desmobilização do poder organizado da classe trabalhadora. Contudo, Lipietz, segundo Tavares (1994, p. 7), acredita haver um caminho aberto para a luta dos trabalhadores, que ao "apropriarem-se dos novos conhecimentos, socializando e coletivizando o saber prático adquirido" estariam se libertando do taylorismo. Harvey (1994, p. 175) elucida também uma sa'da ao afirmar que a flexibilidade "cria para a classe trabalhadora oportunidades — bem como perigos e dificuldades —, precisamente porque educação, flexibilidade e mobilidade geográfica, uma vez adquiridas, ficam mais dif'ceis de ser controladas pelos capitalistas".

A globalização da produção, sob certo aspecto, poderia ser também vista — dentro da concepção trilhada por Harvey (1994, p. 324) — como uma genu'na possibilidade de definição de uma pol'tica unificada que iria ao encontro do fortalecimento da classe trabalhadora. O autor esclarece sua posição ao afirmar que

"quando operários da Ford britânica fazem greve e param a produção de automóveis na Bélgica e na Alemanha Ocidental, vem-lhes de repente a percepção de que a dispersão espacial na divisão do trabalho não favorece somente os capitalistas e de que estratégias internacionais são tanto viáveis como desejáveis."

É poss'vel ser esse o motivo pelo qual Harvey (1996, p. 44) enfatiza a necessidade de concepção da prática teórica como constru'da a partir de uma cont'nua dialética entre o "particularismo militante das vidas vividas" e a uma luta no intuito de realizar uma cr'tica suficientemente distante e imparcial, a fim de formular uma discussão de ambição global.

Harvey e Lipietz estariam caminhando no sentido da praxis, de outra forma, Sousa Santos (1997, p. 323) acredita na utopia como solução, ao a considerar como a exploração de novas possibilidades e vontades humanas em oposição ao que existe. Sousa Santos (1997, p. 324) acredita que a crise por que passam as relações de trabalho e a "morte" do futuro planejado devem-se à morte da utopia, visto que "a perda da inquietação e a busca de uma vida melhor contribui para emergência da subjetividade conformista que considera melhor, ou pelo menos inevitável, tudo o que for ocorrendo só porque ocorre e por pior que seja."  O autor acredita que embora algumas idéias utópicas se realizem, não é da natureza da utopia ser realizada. O que de fato importa é o desejo da busca de algo melhor que se encontra além de realidade então vivida. Esse é o motivo pelo qual Sousa Santos (1997, p. 324) enaltece que o mais importante da utopia "é o que nela não é utópico", ou seja, o que a partir de um anseio e de uma mobilização pode se realizar.

Ao que parece, quando os trabalhadores aceitaram o mecanismo de compensação salarial para contrabalançar sua exploração e adentraram à participação da sociedade de consumo, a utopia enunciada por Sousa Santos começou "a morrer".

A grande dificuldade, geradora de incertezas, encontra-se no fato de estarem os teletrabalhadores passando por um momento de "encantamento" com a enunciada possibilidade de gerir seu tempo e administrar todo o seu trabalho sozinhos. Dessa forma, alguns desses trabalhadores mostram-se conformados e sequer chegaram ao ponto de questionar a maneira como se dá o processo de implementação do teletrabalho e de avaliar o que há de positivo e de negativo; que dirá avaliar que novas possibilidades esse processo de trabalho — liberto do taylorismo — pode trazer.

Ainda se tem muito a percorrer nesse novo caminho. Contudo os passos devem  ser dados com atenção, visto que o tempo da sociedade, de forma geral, é mais lento que o tempo da sociedade informacional, o que acaba por provocar aquela sensação meio inexplicável de "mal-estar".

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[1] Este artigo é fruto da dissertação de mestrado intitulada As novas tecnologias de informação e comunicação e o enclausuramento sócio-espacial: o teletrabalho no Rio de Janeiro.

[2] Professor de Geografia do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos,   Mestre em Planejamento Urbano (IPPUR-UFRJ) e Doutorando em Geografia Humana (USP) 

CONTATOS:  alvarosf@vetor.com.br

[3] T'tulo original: Denise calls up, produção norte-americana de 1995, do diretor Hal Salwen.

[4] Para maiores informações sobre esse tema ver Ribeiro, Miguel Angelo,  Mattos, Rogério Botelho de. Territórios da prostituição de rua na área central do Rio de Janeiro.

[5] Segundo o autor, o ambiente de tribo se desenvolve cada vez mais, já que se liga à lógica da identidade — sexual, pol'tica ou profissional — acarretando um processo de identificação com um grupo, uma emoção ou uma determinada moda.

[6] "Such obstacles could only be understood through abstractions capable of confronting processes not accessible to direct local experience."

[7] Tais "particularismos militantes" guardam relação com interesses extremamente locais e são abarcados dentro de concepções ditas ideológicas que seriam, por isso, leg'timas.



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