As Inexoráveis
Harmonias
Administrativas
e a Burocracia
Flexível

Ana Paula Paes de Paula

RESUMO:

Neste ensaio, revisitaremos o pensamento de Maurício Tragtenberg demonstrando a persistência das harmonias administrativas e do ethos burocrático na teoria e prática da administração. Sob um enfoque crítico, revelaremos que as novas teorias administrativas são tributárias das antigas escolas de administração e do modelo burocrático de organização. Analisaremos também o impacto das transformações capitalistas na teoria organizacional e a emergência da burocracia flexível.

SUMÁRIO:

1. Introdução; 2. O Fordismo e a ideologia da “harmonia administrativa”; 3. Pós-fordismo?; 4. A burocracia flexível e a era da “harmonia total”; 5. Considerações finais.

PALAVRAS-CHAVE: teoria crítica; pós-fordismo; organizações burocráticas.

1. Introdução

O objetivo deste ensaio é demonstrar a persistência das harmonias administrativas e do ethos burocrático na teoria e prática da administração. Para realizar este intento, analisaremos o conjunto das teorias administrativas do século XX, revisitando o pensamento de um dos principais representantes da teoria crítica no campo dos estudos organizacionais: Maurício Tragtenberg.

Retomaremos suas idéias [1] principalmente a partir do livro Burocracia e Ideologia, obra que se destaca no conjunto da produção acadêmica brasileira em Sociologia das Organizações. Neste livro, Tragtenberg denuncia o caráter ideológico das teorias administrativas, além de realizar uma minuciosa análise do pensamento weberiano, resgatando uma das principais preocupações do sociólogo alemão: a burocracia como um tipo de dominação. Tragtenberg também demonstra que as teorias administrativas nascem predestinadas a garantir a produtividade nas organizações, sofrendo, portanto, de uma inexorável vocação para harmonizar as relações entre capital e trabalho.

Constitui-se assim, na visão do autor, a ideologia da harmonia administrativa, que, ao dissimular a natural tensão entre os interesses dos empresários e dos trabalhadores, dissolve as energias individuais e sociais direcionadas para a democratização das relações no mundo do trabalho. Isto possibilita que o monopólio do poder e as relações de dominação prevaleçam, reduzindo as perspectivas de emancipação humana nas organizações. Em outras palavras, a harmonia administrativa favorece a produtividade e a ordem nas organizações, mas está muito longe de promover a liberdade do trabalhador.

Este ensaio baseia-se em quatro premissas elaboradas a partir das principais idéias de Tragtenberg:

1) As teorias administrativas são produtos das formações sócio-econômicas de um determinado contexto histórico, de modo que são extremamente dinâmicas na sua potencialidade se adaptar às demandas do modelo de acumulação capitalista e regulação social vigentes;

2) As teorias administrativas se expressam de duas maneiras: a) ideologicamente, ao se manifestarem como idéias eficientes e desistoricizadas, que recorrem à disfarces mais ou menos conscientes para esconder a verdadeira natureza da situação [2] e b) operacionalmente, ao constituírem práticas, técnicas e intervenções consistentes com estas idéias;

3) As teorias administrativas são adaptativas, mas obedecem à um princípio genético, à uma herança cumulativa a partir da qual são criadas e reelaboradas;

4) A burocracia é o aparelho ideológico que congrega as teorias administrativas e também é produto e reflexo do contexto histórico e sócio-econômico no qual está inserida. Assim, para identificar a burocracia na estrutura da empresa [3] , é preciso transcender o hábito de caracterizá-la a partir do tipo ideal weberiano, para interpreta-la como um fenômeno historicamente situado e uma forma de dominação.

Ao longo deste ensaio, utilizaremos estas premissas como referências para analisar as novas teorias administrativas, demonstrando que elas são tributárias das antigas escolas de administração e do modelo burocrático de organização, uma vez que continuam propagando métodos funcionalistas, estratégias redutoras de conflitos e formas de dominação. Paralelamente, revelaremos como as teorias refletem as características do modo de produção capitalista vigente, ressaltando seu caráter ideológico e sua tendência à perpetuar a harmonia nas relações capital e trabalho. Finalmente, analisaremos o impacto do capitalismo flexível no modelo burocrático de organização, evidenciando que este também sofre transformações para prosseguir reproduzindo a dominação.

Para realizar estas análises, em primeiro lugar, discutiremos o contexto histórico e as teorias administrativas que inspiraram as reflexões de Tragtenberg. Em seguida retomaremos suas reflexões para analisar as atuais teorias e práticas administrativas, bem como o modelo organizacional hegemônico. Assim, nas duas primeiras seções, examinaremos o fordismo e o toyotismo à luz das três primeiras premissas, demonstrando a existência de uma continuidade entre estes dois modelos de organização do trabalho e comprovando a atualidade do pensamento de Tragtenberg. Na última seção, trataremos da questão da burocracia, sistematizada na quarta premissa, evidenciando a falácia da desburocratização e a emergência da burocracia flexível. Na conclusão, faremos algumas considerações adicionais sobre a questão da emancipação humana e da democratização nas relações de trabalho.

2. O Fordismo e a ideologia da “harmonia administrativa”

Nesta seção, resgataremos a análise das Escolas Clássica e de Relações Humanas realizada por Tragtenberg, demonstrando como o autor chegou às conclusões que constam nas três primeiras premissas enunciadas na introdução deste ensaio. Argumentaremos também que estas escolas legitimaram o compromisso fordista do pós-guerra, de modo que foi a crise deste modelo de desenvolvimento que desencadeou o movimento de reestruturação produtiva e a reformulação das teorias administrativas.

Em Burocracia e Ideologia Tragtenberg afirma que as teorias administrativas, inspiradoras do modo fordista de produção, constituem harmonias administrativas, uma vez que se recorrem à uma abordagem positivista das relações sociais. Na sua visão, esta inspiração positivista levou teorias a se caracterizarem pela negação ou manipulação dos conflitos, através da utilização de mecanismos diretos ou indiretos de controle social, que garantem a produtividade e promovem um ordenamento harmônico das relações no mundo do trabalho.

Para Tragtenberg, as teorias elaboradas por Frederick Taylor e Henry Fayol auxiliaram na transição do capitalismo liberal para o capitalismo monopolista. No âmbito deste modo de organização econômico-social, estabeleceram-se grandes corporações que tinham o controle monopólico do mercado e ambicionavam produzir em larga escala. Isto conferiu maior estabilidade ao ambiente, característica que, associada ao ideal de produção de massa, resultou no planejamento a longo prazo da produção, na organização do trabalho através de rotinas rígidas e na divisão do trabalho entre os planejadores e os executantes das tarefas.

No início do século, a conjuntura histórica e econômica favoreceu a racionalização da produção: as corporações buscavam meios de maximizar a produtividade através do uso das máquinas e da intensificação do trabalho. Taylor correspondeu à estas expectativas ao criar um sistema de produção onde havia uma “única maneira correta de se executar uma tarefa”, determinada pela medição dos tempos e movimentos e regulada pelo estabelecimento de quotas de produção, que significava uma remuneração proporcional à quantidade de trabalho realizado.

O ethos racionalizador do taylorismo foi complementado pelas teorias de Fayol, que, inspiradas nas estruturas militares, demarcaram os parâmetros essenciais da organização burocrática: o formalismo e a hierarquia. Assim, da combinação entre a racionalização do trabalho na fábrica e nas estruturas administrativas nasceu a Escola Clássica. Esta escola recorria à métodos rígidos e mecanismos punitivos para manter a disciplina e obter a obediência dos funcionários, sufocando conflitos e resistências através de sanções e ameaças.

Partindo deste ideário e práticas, os representantes da Escola Clássica viabilizaram a primeira fase do capitalismo monopolista, mas suas tentativas de obter, através da força, a harmonia nas relações trabalhistas se mostraram bastante limitadas. Tais métodos em nada contribuíam para reduzir a dissonância cognitiva do funcionário em relação à exploração de sua força de trabalho e esta fragilidade abriu espaço para contestações individuais e organizadas ao sistema, que acabaram por fortalecer o movimento sindical. Analisando este fenômeno, Tragtenberg demonstra como a Escola das Relações Humanas conseguiu responder intelectualmente ao sindicalismo, solucionando as falhas da Escola Clássica e dando continuidade à ideologia da harmonia administrativa.

Para realizar esta análise, Tragtenberg recorre à vertente positivista e procura estabelecer um paralelo entre o pensamento de Elton Mayo e de Émile Durkheim. Para Tragtenberg, foi partindo das considerações de Durkheim que Mayo concluiu que os conflitos são desintegradores da sociedade e passou a defender a revalorização dos grupos informais na organização como forma de combater a sensação de anomia (desenraizamento) e promover o equilíbrio das relações.

A partir deste exame crítico, Tragtenberg revela que o positivismo é a base da lógica cooperativa e integradora que permeia a Escola das Relações Humanas. Na sua visão, Mayo reequacionou a lógica eficientista da Escola Clássica a partir das máximas cooperação, consenso, integração e participação. Nisto reside o caráter ideológico da Escola das Relações Humanas: ela procura dissimular a dominação através de discursos e práticas participativas, desviando a atenção de seu objetivo central que é manter a produtividade nas organizações e reduzir as tensões entre capital e trabalho.

Por outro lado, a Escola das Relações Humanas também herda características tayloristas, pois prossegue escamoteando os conflitos, uma vez que apenas substitui a contenção direta pela manipulação, além de manter a separação entre planejamento e execução no desenvolvimento das tarefas. Partindo desta argumentação, Tragtenberg radicalizaria, em seu livro Administração, Poder e Ideologia, as críticas à Escola das Relações Humanas. Analisando as empresas brasileiras da década de 70, o autor constata uma institucionalização da Escola das Relações Humanas na figura dos departamentos de relações industriais e recursos humanos, que teriam se tornado os reprodutores da ideologia participacionista.

Na visão de Tragtenberg, ao utilizar técnicas participativas, a Escola das Relações Humanas estimula nos funcionários uma “falsa consciência” de que são importantes no processo decisório, quando na verdade apenas endossam decisões que já foram tomadas. Além disso, partilhando do ideário behaviorista, a escola tende a adaptar o indivíduo para não transformar o meio, além de culpabilizá-lo pelas tensões que advêm de sua condição social. Em outras palavras, ao interpretar tensões procedentes das relações entre capital e trabalho como problemas individuais e de personalidade, o psicologismo oculta os conflitos políticos e impossibilita que os mesmos sejam equacionados como uma questão de partilha de poder.

É importante também salientar que, embora Tragtenberg se dirija explicitamente à Escola das Relações Humanas e à Psicologia Social, ele está na verdade se referindo à Escola Comportamental. Esta escola começou a se constituir durante a década de 40: é herdeira do ideário da Escola de Relações Humanas e exerceu grande influência nas empresas brasileiras durante toda a década de 70. Através da abordagem behaviorista, expressa nas teorias de autores como Abraham Maslow, Frederick Herzberg, Douglas McGregor, Rensis Likert e Chester Barnard, esta escola procurou se posicionar como uma legítima opositora da Escola Clássica. No entanto, a tentativa não a isenta de suas dívidas com o psicologismo e com o funcionalismo. Na verdade, utilizando técnicas como a dinâmica de grupo, a liderança não-diretiva e o aconselhamento, entre outras, a Escola Comportamental prosseguiu legitimando a ideologia participacionista.

Em síntese, ao analisar as duas principais escolas administrativas da primeira metade do século XX, Tragtenberg concluiu que estas refletem o capitalismo monopolista e se manifestam ideologicamente. Estas escolas se estabeleceram como portadoras de teorias e práticas eficientes para viabilizar a produção massificada, mas auxiliaram principalmente na harmonização das relações entre capital e trabalho. Além disso, ao comparar a Escola Clássica e a Escola das Relações Humanas, o autor inferiu que as teorias administrativas são dinâmicas: se transformam de acordo com mudanças estruturais e conjunturais. Constatou também que, apesar da facilidade com que se reeditam e se adaptam, estas teorias obedecem a um princípio genético, pois herdam características de suas antecessoras.

As teorias administrativas analisadas por Tragtenberg adquiriram força e expressão no âmbito do compromisso fordista. Este é um modelo de desenvolvimento econômico caracterizado pela Escola da Regulação, que argumenta que a “era do ouro” do capitalismo do pós-guerra baseou-se em um compromisso entre os empresários e trabalhadores, que, regulado pelo Estado de bem-estar social [4] , teria realizado a necessária conexão entre produção e consumo, cujo anterior descompasso redundara na crise de 29 (LIPIETZ, 1992).

Tal compromisso edificou-se a partir das seguinte bases: a organização fordista do trabalho (que recorre aos métodos das Escolas Clássica e de Relações Humanas), um regime de acumulação (baseado no pleno emprego e na plena utilização das máquinas, onde a acumulação capitalista é garantida pela taxa estável de lucros advinda do equilíbrio dos binômios produção e consumo, emprego e produtividade) e um modo de regulação das relações sociais (o Estado é o mediador do pacto entre capital e trabalho, regulando, através da legislação, o funcionamento dos mercados de bens e serviços e também provendo direitos sociais aos excluídos do mercado de trabalho, para assegurar a participação destes no pacto como consumidores).

Assim, a legitimação do modo fordista de produção é conseqüência de seu alinhamento com o modelo de desenvolvimento vigente. Desse modo, quando o “compromisso fordista” entrou em crise [5] , a hegemonia do fordismo e sua eficiência no campo produtivo também passaram ser questionadas, tanto quanto o regime de acumulação e o Estado de bem-estar social. Nas últimas décadas, em decorrência desta crise, testemunhamos profundas transformações nas condições sócio-econômicas, que impactaram a forma como se organiza o trabalho e a produção, o modo como se garante a acumulação do capital e o papel do Estado na mediação entre os interesses privados e coletivos.

Em conseqüência, vivemos hoje em um mundo tão diverso, que não é difícil ser tomado pela momentânea impressão de que as análises das teorias administrativas do começo do século, realizadas por Maurício Tragtenberg nos idos anos 70, são categorias “datadas” que não nos ajudariam a compreender a nova dinâmica das relações entre capital e trabalho. No entanto, a força do pensamento de Tragtenberg transcende sua verve crítica e reside principalmente no seu rigor teórico, o que torna suas idéias referências privilegiadas para a análise de nossa história recente.

3. Pós-Fordismo?

Nesta seção, analisaremos as novas teorias administrativas e confirmaremos a atualidade do pensamento de Tragtenberg. Para isto, avaliaremos as mudanças ocorridas no campo da produção e organização do trabalho em função da restruturação produtiva e dos modelos pós-fordistas de gerenciamento. Nosso objetivo será demonstrar que as atuais teorias administrativas refletem a lógica do capitalismo flexível, herdam características das antigas escolas de administração e continuam validando a ideologia da harmonia administrativa.

Com a crise do padrão de acumulação, o paradigma fordista de produção e organização do trabalho perdeu a sua centralidade. Foi enfraquecido pela argumentação de que não garante mais os níveis de produtividade necessários à acumulação do capital e de que é muito “rígido” para acomodar as novas tecnologias de produção e as aceleradas tecnologias de informação, bem como para atender às exigentes e renovadas demandas do mercado consumidor. Além disso, uma vez que se tornou impossível manter taxas estáveis de lucro a partir do equilíbrio dos binômios produção e consumo, emprego e produtividade, o capitalismo se moveu na direção de um novo padrão de acumulação.

Trata-se da acumulação flexível (HARVEY, 1992) que combina taxas variadas de emprego (estáveis e flexíveis [6] ), produção e consumo, maximizando ganhos a partir das diferentes formas de contratação da mão-de-obra, de produção de bens e serviços e de investimentos de capital. No campo da administração, isto se expressa através das “panacéias” radicais, apologéticas das organizações enxutas e flexíveis, que ganharam espaço na mídia e nas práticas empresariais nos últimos anos: reengenharia, downsizing, terceirização, quarteirização, virtualização organizacional. Na mesma direção, small is beautiful, a regulação do mercado de bens, serviços e mão-de-obra, antes concretizada pela legislação estatal, passa a ser um entrave à acumulação flexível, de modo que a desregulamentação se torna a meta e o Estado mínimo, o ideal.

Diante destas mudanças, as teorias administrativas ajustaram-se para atender às demandas da restruturação produtiva, que reclama tecnologias e formas de organização do trabalho mais flexíveis do que as fordistas. Emergiram então as soluções pós-fordistas, onde as técnicas de gerenciamento da produção e organização do trabalho toyotistas [7] se sobressaíram devido à adequabilidade à nova situação histórica.

Ideário que deslocou a hegemonia fordista, o toyotismo nasceu na indústria automobilística japonesa, mais precisamente, na Toyota. No pós-guerra, o japoneses estavam cientes que as sanções econômicas internacionais impostas pelos vencedores do conflito, bem como a estrutura de seu mercado interno, impossibilitariam reproduzir com o sucesso o modelo fordista no país. A solução foi criar uma forma de produção e de organização do trabalho que se ajustasse às condições macroeconômicas japonesas, além de atender às necessidades do mercado doméstico. Forjou-se assim um modelo de gerenciamento singular, que durante os anos 70 surpreendeu os ocidentais pela sua capacidade de produzir com “flexibilidade”, “baixo custo” e “qualidade”. Nos anos 80, com a aceleração do processo globalizante, os ocidentais passaram a imitar o modelo japonês de administração, ocidentalizando-o através de adaptações e modificações.

O toyotismo se caracteriza pela oposição à massificação fordista (WOOD, 1995): seus métodos possibilitam uma produção vinculada à demanda, individualizada, variada e heterogênea, em outras palavras, suficientemente flexível para atender às novas necessidades produtivas, tecnológicas e mercadológicas. Valendo-se de novas tecnologias organizativas situadas no âmbito da filosofia just-in-time de gerenciamento (que conjuga o estoque mínimo, os sistemas kanban e o planejamento da produção), o toyotismo conseguiu legitimar sua capacidade de tornar os processos mais eficientes e produtivos, barateando os produtos e aumentando a sua “qualidade”, consolidando-se, assim, como paradigma organizacional.

No entanto, estas técnicas e práticas não estão “esvaziadas” de ideologia. Para perpetuar a harmonia nas relações trabalhistas e a conseqüente produtividade, o toyotismo recorre, a exemplo da Escola das Relações Humanas, às idéias de cooperação, consenso, integração e participação, além da retórica de valorização dos grupos informais. Este ideário é amplamente utilizado, por exemplo, no âmbito dos programas de qualidade total e de melhoria contínua. Clamando por trabalhadores qualificados e participativos, multifuncionais e polivalentes, tal ideário procura criar a “falsa aparência” de que o novo modelo oferece enormes vantagens para o funcionário: flexibilidade para trabalhar, oportunidade para participar e melhoria da qualidade de vida no trabalho.

Apesar da força do discurso, nos últimos anos as críticas sobre o potencial participativo e inovador do modelo toyotista de organização vêm se somando. Thomaz WOOD & Flávio URDAN (1996), por exemplo, realizaram um balanço sobre a qualidade total, demonstrando que há limites em seu potencial inovador: os programas de melhoria contínua e qualidade preservaram um “ranço tecnicista”, bem como uma tendência taylorista na implantação de rotinas e procedimentos, pois seus métodos derivam em grande parte da engenharia e estatística. No caso da certificação ISO 9000, o problema se aprofunda: as normas rígidas que conduzem as empresas para a obtenção dos certificados se assemelham aos métodos de racionalização clássicos.

Analisando a atual situação dos trabalhadores no setor produtivo, Ricardo ANTUNES (1999), revela que os métodos toyotistas contribuem para a intensificação do trabalho e que a utilização de estratégias participativas facilitam a apropriação dos conhecimentos dos trabalhadores. Para Richard SENNET (1999), a automação e a informatização, tão cultuadas no âmbito pós-fordista, estariam reinventando a super-especialização taylorista do trabalhador. É o caso da padaria automatizada que o autor descreve em seu ensaio: para fazer o pão basta saber “clicar” os ícones corretos, o que não requer conhecimento do ofício, mas apenas conhecimentos básicos de Windows.

Para além destas evidentes vinculações entre o toyotismo e o fordismo, é possível constatar uma fidelidade ao princípio genético nas próprias teorias que embasam o toyotismo. A produção flexível (WOOD, 1995) foi fortemente influenciada, para além da Escola das Relações Humanas e do Behaviorismo, pela Teoria dos Sistemas e pela Teoria da Contingência. Esta última retoma a visão sistêmica de que as organizações precisam responder às mudanças ambientais para sobreviverem, focalizando especialmente o impacto da tecnologia nas organizações. Ressalta ainda (MORGAN, 1996) que diferentes condições de mercado e tecnologia requerem diferentes tipos de organização, sinalizando que, em função das contingências, é prudente recorrer às mais diversas ferramentas disponíveis no amplo repertório de teorias da administração.

Dessa forma, o toyotismo endossa o uso flexível das teorias administrativas e ao filiar-se ao contingencialismo (REED, 1996) resgata o pensamento positivista e suas tendências funcionalistas e integracionistas. Partindo destas constatações, nos parece pertinente questionar se o toyotismo pode realmente ser considerado um modelo de organização pós-fordista.

Muito mais que uma quebra de paradigma organizacional, o toyotismo representa uma adequação das teorias e práticas administrativas ao capitalismo flexível. Para obter eficiência e produtividade, ele combina técnicas clássicas e práticas participativas, característica que reforça o seu caráter ideológico e sinaliza sua dívida com as antigas escolas de administração. Assim, as novas teorias administrativas continuam reproduzindo a ideologia da harmonia administrativa, outrora evidenciada por Tragtenberg, distanciando-se de uma real democratização nas relações de trabalho.

4. A burocracia flexível e a era da “harmonia total”

Nesta seção, retomaremos a quarta premissa formulada a partir do pensamento de Tragtenberg para demonstrar que a burocracia também se adaptou ao capitalismo flexível, reinventando formas de controle para garantir a produtividade e perpetuar a dominação. Além disso, defenderemos que esta adaptação está fazendo surgir um novo tipo de organização – a burocracia flexível, discutindo também algumas de suas características.

Nas organizações empresariais, a burocracia desempenha o papel de mediadora entre os interesses dos proprietários e os interesses dos trabalhadores. Como representantes do corpo burocrático temos os administradores profissionais: o papel destes é o estabelecimento e a execução das normas que regulam o comportamento dos funcionários e preservam os interesses dos acionistas. Em outras palavras, os administradores profissionais incorporam o poder e são os guardiões da “harmonia” na organização: procuram assegurar a produtividade amenizando as naturais tensões entre capital e trabalho, valendo-se dos instrumentos de controle disponíveis.

Para organizar o trabalho e a produção, além de aperfeiçoar seus instrumentos de controle, os burocratas recorrem às teorias administrativas e suas práticas. Dessa forma, a organização burocrática é um repositório de discursos e práticas administrativas, um aparelho ideológico, que, analogamente às teorias, se adapta às novas condições históricas.

No âmbito do fordismo, por exemplo, a burocracia empresarial absorveu as idéias rígidas e centralizadoras da Escola Clássica, bem como o discurso integrador da Escola das Relações Humanas. Foi principalmente a partir das características da Escola Clássica, diluídas no aparato burocrático, que Max Weber construiu o seu tipo ideal, marcado pelo formalismo, a impessoalidade, a hierarquia e a administração profissional.

No entanto, já nos advertia Weber que a burocracia, mais do que uma estrutura, é um tipo de dominação. Na premissa que estamos explorando nesta seção, Tragtenberg nos alerta justamente para o risco de deslocar a burocracia como categoria histórica, confundindo a burocracia com o tipo ideal weberiano. Este “deslocamento” dificulta a compreensão da burocracia como uma forma de poder, além de distorcer a essência do pensamento weberiano [8] .

Este tipo de disfarce está gerando o que Fernando MOTTA (1993) caracterizou como engodo da organização pós-burocrática [9] , que também denominaremos falácia da desburocratização. No clima das grandes mudanças sócio-econômicas estão surgindo teorias administrativas que tentam demonstrar, utilizando o tipo ideal como parâmetro, que as organizações estão se desburocratizando.

Trata-se de mais uma operação ideológica, que oculta novas relações de poder e dominação. O que vem ocorrendo na realidade não é uma desburocratização, mas uma adaptação da burocracia ao novo contexto histórico. Da mesma forma que a burocracia da era fordista refletia as características rígidas do capitalismo monopolista e das teorias administrativas então vigentes, nada mais natural que no âmbito do pós-fordismo a burocracia incorpore a tônica da flexibilidade e se arrogue pós-burocrática.

O primeiro passo foram os programas de reengenharia, o downsizing, a terceirização, a virtualização organizacional, a flexibilização das contratações e outros recursos de “enxugamento” realizados sob a argumentação de que era necessário desburocratizar a empresa, tornando-a mais ágil e competitiva, mais flexível às demandas do mercado. Depois, vieram os programas de flexibilização organizacional, muitos ligados ao paradigma da qualidade total, com suas intenções de implantar a administração participativa e erradicar a hierarquia, através do trabalho em equipe, das células de produção, dos grupos semi-autônomos, da autogestão e do empowerment.

No lugar da organização burocrática (centralizada, hierárquica, autoritária e baseada em regras, disciplina e divisão do trabalho) emergiu o ideal da organização pós-moderna (CLEGG & HARDY, 1996a) caracterizada pela descentralização, pela estruturação em rede conectada pela tecnologias de informação e pela liderança facilitadora, que resolveria conflitos e problemas, baseada na abertura, confiança e comprometimento. Além disso, o trabalho seria baseado na cooperação e as ineficiências hierárquicas abandonadas em favor das decisões baseadas em expertise.

A partir deste ideal, decretou-se o fim dos conflitos nas empresas e a era da harmonia total regida pela organização pós-burocrática. No entanto, por detrás deste “concerto” se escondem denunciadoras “notas dissonantes”: a burocracia reinventou a hierarquia e sofisticou os mecanismos de controle, tornando suas tentativas de harmonização das tensões entre capital e trabalho ainda mais disfarçadas, reduzindo as possibilidades de emancipação humana na esfera das organizações.

Reinventar a empresa e flexibilizar a produção se tornou uma regra em um mercado em que o que interessa é o retorno a curto prazo para os acionistas e a pronta resposta à demanda do consumidor Assim, a aceleração dos processos se transformou em um fator crítico, de forma que foi necessário permitir que funcionários tenham mais controle sobre suas atividades. Este controle está sendo concedido sob uma estrita vigilância operada via novas tecnologias de informação, onde os sistemas burocráticos de supervisão (REED, 1996) se adaptam às mais diferentes circunstâncias.

Paradoxalmente, este novo sistema de dominação está sendo construído sob a insígnia da liberdade. Um dos melhores exemplos disto é a nova forma de se organizar o tempo no local de trabalho – o flexitempo (SENNET, 1999). Este é caracterizado pelo planejamento flexível das jornadas e pelo trabalho virtual, onde o funcionário deixa de ser monitorado pelo relógio de ponto para a ser controlado através da tela do computador. Assim, a proclamada desburocratização das empresas é enganadora, pois apesar do abandono da rigidez típica da organização burocrática, a sua característica fundamental, que é a dominação e a alienação do trabalhador, está sendo recriada: combinando neo-libertarismo e sofisticada vigilância (REED, 1999), perpetuam-se as formas de disciplina e controle organizacionais.

A centralidade do trabalho em equipe, também desponta como uma falácia (SENNET, 1999): este está se transformando em um “teatro” onde as aparências e comportamentos são manipulados e o conflito sistematicamente adiado. Na realidade, o trabalho em equipe veio substituir a vigilância do administrador pela pressão dos colegas, tornando-se uma excelente estratégia para aumentar a produtividade. Assim, as responsabilidades são partilhadas e não há uma figura que simbolize a autoridade, mas a dominação continua permeando as relações entre os indivíduos no trabalho.

Por outro lado, ao transformar o conhecimento em fonte de poder (CLEEG & HARDY, 1996b), a organização pós-moderna tornou a distribuição do conhecimento uma ferramenta para redesenhar a hierarquia. Além disso, apesar do discurso participativo, o novo modelo organizacional vem falhando em suas tentativas de democratizar as relações sociais no processo de produção, pois dominado por uma lógica mecanicista e funcionalista faz prevalecer as ações instrumentais (TENÓRIO, 1996).

Se de fato existe alguma mudança de modelo organizacional esta vem se operacionalizando de uma forma lenta, pontuada por uma tensa convivência de paradigmas, que está gerando uma série de contradições no cotidiano das organizações. Realizadas no âmbito das reformas market oriented, as flexibilizações organizacionais vêm modificando o sistema hierárquico, não no sentido de emancipar as pessoas, mas de conferir às organizações maior velocidade de resposta às demandas do mercado.

Assim, para atender às demandas do novo capitalismo, está se constituindo a burocracia flexível, aparelho ideológico muito mais sutil e eficaz que a “arcaica” burocracia dos tempos fordistas. No início do século, Max WEBER (1999) verificou que o sucesso da organização burocrática como modelo organizativo se devia principalmente à sua superioridade técnica: ela possibilitava a maior aceleração possível do tempo de reação da administração diante das situações dadas em cada momento.

No contexto do capitalismo monopolista, Weber reconhecia que, instituir competências, poderes de mando, meios coativos e hierarquias rígidas, bem como estabelecer ou pactuar regras gerais mais ou menos fixas e abrangentes, era a melhor maneira de organizar a empresa, torná-la mais reativa às demandas ambientais e de controlar o comportamento dos funcionários. No entanto, com o advento do capitalismo flexível, a velocidade e variabilidade dos acontecimentos aumentou de tal modo que estas características já não são capazes de garantir a mesma superioridade técnica. Desse modo, a organização burocrática vem sofrendo uma grande transmutação, onde toda a rigidez está sendo substituída pela flexibilidade.

Weber constatou ainda que a introjeção das normas é a tendência natural de toda burocracia, pois, nas organizações burocráticas, a disciplina e a disposição humana em observar regras e regulamentos habituais são muito mais importantes que do qualquer regulamentação escrita. Por outro lado, o autor também apontou que um dos ideais da burocracia é transformar a atividade criativa do funcionário em uma norma de comportamento, de modo que ela seja utilizada e dedicada exclusivamente para fins objetivos.

A burocracia flexível continua se baseando nas relações associativas racionais, que Weber considera a base da dominação burocrática [10] , mas uma vez que a rigidez não é mais o melhor caminho para responder às contingências e obter a obediência dos funcionários, várias transformações organizacionais estão em curso. As competências, por exemplo, estão sendo flexibilizadas - variam de acordo com as necessidades da empresa. As hierarquias também estão adquirindo um caráter dinâmico, vinculando-se ao domínio das informações e conhecimentos cruciais para os problemas enfrentados em cada momento.

Muitas regras continuam escritas, mas aquelas que se referem ao comportamento no trabalho, ou seja, que garantem o controle, permeiam a cultura organizacional e são cotidianamente introjetadas por cada funcionário. Desse modo, todos os membros de uma organização são portadores das regras implícitas de comportamento e estão igualmente habilitados a monitorar o cumprimento destas pelos colegas.

As novas tecnologias de informação também são valiosas ferramentas de controle e estímulo à produtividade. Em algumas atividades, como por exemplo produção e vendas, os softwares permitem mensurar em tempo real a produção de cada indivíduo. O correio eletrônico registra com eficácia todos os opiniões e movimentos dos funcionários, enquanto que os telefones celulares, os bips e os computadores portáteis auxiliam na extensão da jornada de trabalho, pois tornam o funcionário mais disponível e trabalho exeqüível em qualquer lugar ou situação.

Neste contexto, a iniciativa e a capacidade de inovar estão sendo cada vez mais exigidas dos funcionários, mas, como previu Weber, nas organizações burocráticas não se espera que a ação criadora seja uma conduta espontânea, mas uma regra de comportamento. Se antes o ethos burocrático parecia incompatível com a inventividade humana, atualmente a criação é apenas mais um comportamento desejável e uma atividade estereotipada.

Manifestação típica do capitalismo flexível, o simulacro pós-burocrático está se consolidado como paradigma organizativo por sua velocidade de resposta ao ambiente e superioridade no campo da técnica e da dominação. Realizando uma singular combinação de rigidez e maleabilidade, a burocracia flexível municia os administradores de instrumentos sofisticados para manter a produtividade nas organizações e assim perpetuar as inexoráveis harmonias administrativas.

5. Considerações finais

Ao longo deste ensaio, revisitamos o pensamento de Maurício Tragtenberg para analisar as relações entre os modos de produção capitalista e as teorias administrativas. Através desta análise, demonstramos que do mesmo modo que o fordismo representava o ethos do capitalismo monopolista, o toyotismo reflete a lógica do capitalismo flexível. Ambos elaboram idéias e práticas que legitimam as necessidades de produção, acumulação e regulação de suas épocas, reproduzindo a ideologia da harmonia administrativa.

Analisamos também a falácia da desburocratização, revelando que a burocracia se transformou para atender às novas demandas tecnológicas e mercadológicas. Identificamos assim o surgimento da burocracia flexível, sofisticado aparelho ideológico que está reinventando os instrumentos de controle e dominação. Através destas análises, constatamos a atualidade do pensamento de Tragtenberg e resgatamos a questão da dominação como elemento central para refletir as possibilidades de emancipação humana e de democratização nas relações de trabalho.

Diante das novas realidades históricas, dos avanços científicos, do progresso tecnológico e das dificuldades de se construir uma sociedade democrática, a questão da liberdade do trabalhador está ganhando cada vez mais espaço. Questiona-se sobretudo se, para além do avanço científico-tecnológico, alcançaremos novos patamares de emancipação no trabalho. Esta conquista, porém, é muito mais complexa do que vem sugerindo algumas formas de compreensão de nossa atual realidade e de nosso futuro. Para atingi-la em sua essência é preciso transcender a noção da democracia como consenso, para entendê-la como um conflito, uma verdadeira participação no processo decisório e na partilha de poder.

Por outro lado, a dificuldade de se conquistar esta emancipação na esfera das organizações está criando expectativas de que talvez seja possível alcançar a liberdade fora do âmbito organizacional. Desta forma, idéias como o ócio criativo e o empreendimentismo conquistam cada vez mais adeptos; mas, do mesmo modo que o discurso da desburocratização, estas também merecem uma análise mais cuidadosa.

Baseada na noção marxista de que o desenvolvimento das forças produtivas poderia fazer do trabalho uma atividade lúdica, a visão da sociedade do ócio criativo (MASI, 1999) defende que o avanço científico-tecnológico libertará o homem do trabalho e que no futuro teremos todo tempo livre para o ócio e para a criatividade. Tragtenberg também recuperou Karl Marx para tratar da mesma questão, porém fazendo jus à perspectiva marxista. Salienta que evolução tecnológica não seria suficiente para libertar o trabalhador, uma vez que a emancipação depende principalmente da distribuição de recursos e da dinâmica das forças sociais.

Indo em outra direção, alguns acreditam que é possível alcançar a liberdade abandonando o mundo das organizações para se auto-gerenciar, ou permanecendo associado à uma empresa, mas como empreendedor da própria carreira. Tal idéia vem sendo amplamente incentivada no contexto do capitalismo flexível na figura do trabalho autônomo, dos contratos temporários e das relações cada vez mais provisórias entre organizações e trabalhadores.

Em decorrência disso, está se consolidando uma cultura empreendimentista (HARVEY, 1992), uma ideologia do empreendedorismo, que extrapolou as fronteiras das empresas e se entrelaça no tecido social. As técnicas e idéias que antes eram restritas ao treinamento dos gerentes [11] , agora estão disponíveis para quem quiser acessá-las, reforçando um culto sem culpa à personalidade e ao sucesso. Tragtenberg também já nos alertava que este tipo de culto cria uma falsa impressão de liberdade e colabora para a exacerbação do individualismo, pois contribui sobremaneira para a desmobilização política e para o distanciamento da vida democrática.

Maurício Tragtenberg foi um crítico atento da opressão, identificando a dominação nas suas mais variadas formas, desvelando hierarquias explícitas e disfarçadas. Ao revisitar seu pensamento, mais do que fazer uma análise pessimista e desencantada das perspectivas de emancipação, nossa intenção foi revelar que nenhuma mudança efetiva pode ser realizada a partir a negação da realidade. Talvez o maior legado de seu pensamento seja este vigoroso alerta para as armadilhas ideológicas que, criando uma falaciosa harmonia, nos desviam dos caminhos da liberdade.

* Este artigo resultou de um trabalho elaborado para a disciplina “Teoria das Organizações”, ministrada pelo Prof. Dr. Fernando Tenório no curso de Mestrado em Administração Pública da EBAP/FGV. Uma versão preliminar foi apresentada no 24o Encontro da ANPAD, Florianópolis, 2000.

** Doutoranda em Ciências Sociais pelo IFCH/UNICAMP, Bolsista FAPESP, Mestre em Administração Pública e Governo pela EAESP/FGV e Administradora de Empresas pela FEA/USP.

[1] Para além dos trabalhos que se situam na área de Sociologia das Organizações, Tragtenberg também nos deixou instigantes ensaios sobre o marxismo, o anarquismo e a pedagogia libertária, onde figura como defensor do autodidatismo, do qual ele mesmo é um dos melhores exemplos.

[2] Estamos utilizando aqui a concepção de ideologia elaborada no contexto da Sociologia da Conhecimento, que influenciou fortemente a obra de Tragtenberg. Para uma discussão aprofundada desta concepção e da própria Sociologia do Conhecimento, consulte Karl MANNHEIM (1986). Tragtenberg também fará amplas referências ao conceito marxista de ideologia, onde a operação ideológica consiste em apreender as idéias como entidades autônomas, desistoricizando-as a fim de neutralizá-las como representativas de interesses hegemônicos.

[3] Tragtenberg procura resgatar o poder como elemento central do pensamento weberiano, nos advertindo que “…qualquer análise da Teoria Administrativa deve partir da burocracia enquanto poder, para atingir a burocracia na estrutura da empresa” (TRAGTENBERG, 1974, p.16) E reforça: “A burocracia constitui um sistema de condutas significativas e não só um sistema de organização formal.” (TRAGTENBERG, 1974, p.188)

[4] Também conhecido como welfare state ou Estado keynesiano, este modo de intervenção estatal se reproduziu nos países latino-americanos na figura do Estado nacional-desenvolvimentista.

[5] A crise do “compromisso fordista” está relacionada com as transformações estruturais ocorridas no sistema capitalista nas últimas décadas. No final da década de 60 os métodos fordistas teriam alcançado seu limite de produtividade, além terem sido contestados pelo seu caráter alienante pelos movimentos sociais europeus. A esta crise de legitimação do ponto de vista produtivo e ideológico, somam-se as crises econômicas (inflação, estagnação, choques do petróleo...) da década de 70, que terminaram por comprometer o delicado do modelo. Uma discussão crítica desta questão é realizada em LIPIETZ (1991).

[6] Empregos flexíveis seriam os formatos atuais de contratação que afrouxaram os contratos rígidos de trabalho, como as jornadas de meio-período, os contratos de curto período, o trabalho autônomo e outros arranjos similares.

[7] Cada aqui uma nota que legitima esta tentativa de revisitar o pensamento de Tragtenberg: o autor foi um dos pioneiros na crítica do toyotismo, antes mesmo que este se tornasse prática comum nas empresas, o que pode ser verificado em seus célebres ensaios publicados na Folha de São Paulo.

[8] Para além de enfatizar a burocracia como tipo de dominação, Max Weber também demonstra que a burocracia é produto de um contexto histórico, estando sujeita à adaptações para atender os interesses dominantes. Isto é evidente em suas análises, resgatadas por Tragtenberg (1974), do modo de produção asiático (burocracia egípcia e mandarinato chinês) e do Estado moderno ocidental: em todos os casos Weber procurar salientar como emerge um corpo burocrático que, no intuito de preservar os interesses hegemônicos, reproduz relações de dominação.

[9] Nas palavras do autor: "Todo esforço foi dirigido no sentido de concentrar a atenção no "tipo ideal" de organização burocrática, de perceber se as organizações se adaptavam a ele ou não. Com isto, perde-se de vista a problemática central, ou seja, a dominação burocrática. Assim, a crítica administrativa ao afirmar que estamos passando para uma fase de organizações pós-burocráticas, na verdade legitima ideologicamente a burocracia enquanto poder e dominação que é. Por esta razão é preciso enfatizar o que é mais rico na sociologia política de Weber: a teoria da dominação." (MOTTA, 1993, p.85)

[10] Referindo-se aos tipos de dominação (tradicional, carismática e racional-legal), Weber faz as seguintes considerações: “A estas situações correspondem os tipos fundamentais ‘puros’ da estrutura da dominação, de cuja combinação, mistura, adaptação e transformação resultam as formas que encontramos na realidade histórica. Quando a ação social de uma formação de dominação se baseia numa relação associativa racional, encontra seu tipo específico na ‘burocracia’.” (WEBER, 1999, p.198)

[11] Tragtenberg já fazia a crítica do que ele denominava “...literatura de divertimento e moralizante, no gênero ‘Vencer na vida’, ‘Auto-ajuda’ e outras preciosidades.” (TRAGTENBERG, 1980, p.29) Chamava também atenção para os cursos e recomendações do tipo “a arte de falar em público” e “como dirigir uma reunião”, que na época se dirigiam aos especialistas em relações humanas e que hoje inundam as prateleiras das livrarias, fazem sucesso nas revistas especializadas em management e permeiam os concorridos seminários de business.

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